Lembro que íamos a pé do bairro até o Centro Cultural, sempre em um bando de caras. O horário era depois da janta, tinha encostar na folia já abastecidos, pois no bolso era só para o kit brisa: um dogão simples e a intera para o Mogi de dois litros. Lá na avenida, o objetivo era ficar com as meninas e isso envolve toda tática de macho escroto que é praticada nessas festas, como pegar no cabelo, puxar pelo braço, usar de adjetivos pejorativos e o assédio mais direto: passar a mão nas meninas.
Obviamente que não me orgulho dessas ações, mas somente hoje pode ponderar. Naquela época eu era apenas mais um na multidão fúfia, praticando o “normal”. Em outras palavras eu era um covarde que se escondia por detrás do status de homem. Talvez um homem pelo fato de ter o saco entre as pernas, mas não um homem no conceito geral e honroso da palavra.
Em minha defesa (se é que dá pra chamar assim), eu era o pega ninguém da turma, o mais tímido e por isso o menos assediador do rolê. No entanto, a ação é só a consumação do ato, o crime já existia no pensamento.
Com o passar do tempo chega a responsabilidade. Carnaval no Brasil não é feriado, maléma a gente folga a terça. O ponto positivo é que a folia começa na semana antes e por isso a sexta e o sábado eram sempre convidativos. Mas a rotina pesada numa empresa me fez preferir ficar em casa a sair para ouvir axé com 3 mil bêbados urinados em suas próprias vestes.
Primeiro, o tempo livre eu gastava para acordar mais tarde e depois estudar programação de computadores. Sonhava em viver da construção de softwares, sonho esse que morreu com os PC’s que respiravam por aparelho.
Depois, usava esse tempo para ler. Lia os livros emprestados da biblioteca do curso técnico que fazia. Uma biblioteca muito boa, diga-se de passagem, onde havia muitas obras de ideologia de esquerda, os quais devorava. Posso citar aqui as biografias de Che Guevara, A Vida em Vermelho, do Jorge Castañeda, e Che Guevara Uma Biografia, do Jon Lee Anderson. Mas creio que um livro que me revolucionou foi um romance, Não És Tú Brasil, do gigante Marcelo Rubens Paiva.
O livro narra a história do Lamarca e a guerrilha do Vale do Ribeira tendo como testemunha ocular uma criança que vai se interessando pelo tema. Tem muito da biografia de Rubens Paiva neste livro.
Quando chegava a semana que antecedia a festa de Momo, o assunto surgia: E o Carnaval? À essa altura eu já desconversava e inventava desculpas: Vou trampar!
Era um malabarismo todo para escapar dos caras, vários eram os argumentos para me levarem para a festa: “a gente volta cedo”, “cê trampa de dia, a parada é a noite”, “vamos um dia só” e coisas do tipo. Certa feita, molhei os tênis e quando me chamaram, disse que não podia ir porque não tinha calçado. Cerca de 20 minutos depois tinha um par seco na porta de casa.
O fato é que fui deixando de ir ao Carnaval ao mesmo tempo que ansiava por essa data, pois era um período de descanso, principalmente quando a segunda-feira estava contemplada. Quem ganhava não verá somente eu, mas a sociedade que tinha um assediador filha da puta a menos solto nas ruas.
Aqui é importante frisar que o fato de achar errado assediar alguém não aconteceu por eu evitar sair para o Carnaval, essa desconstrução veio só ente anos depois. Mas convenhamos, melhor um cara a menos fazendo merda, mesmo que ele esteja ocupado com outras coisas e não sabe conscientemente que deixou de aprontar, do que uma mina a mais na rua se sentindo péssima com ações de um idiota.
Pois bem, repare que anedota contada válida a célebre frase de “mente vazia, oficina do diabo”. Quando se tem uma ocupação sadia, menos tempo para o crime. Não que um leitor voraz não possa ser um otário abusador, mas no cenário machista que crescemos, a liberdade sem limite (principalmente ao corpo alheio) deve ser cerceada.
O próximo passo é o diálogo, a reflexão e principalmente a conversação.
Evolução é uma coisa. Dedico quem sou aos Carnavais que não pulei. E esse texto não é sobre evitar a folia, e sim sobre curtir e respeitar os outros.

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Eae galera, sejam bem vindos ao CAFÉ AMPLIFICADO, eu sou o Furukawa e nessa edição de numero 14 nós trazemos o primeiro trampo Full da